Mágica digital, custo real
O tema da inteligência artificial (IA) transbordou. Ela nos deslumbra com sua capacidade de criar imagens, textos e soluções que parecem mágicas. A promessa é de um futuro revolucionário. Mas toda mágica tem um truque, e todo processo digital tem uma base física, material.
Enquanto discutimos o futuro dos empregos e a ética dos algoritmos, um custo brutal e concreto passa despercebido. Um custo medido em litros de água potável. A pergunta que quero fazer é simples e direta: queremos realmente usar o item mais essencial à vida no planeta para ter um robô que lê e resume textos para nós? Estamos dispostos a pagar essa conta?
O custo invisível em litros
Para alimentar o hype das IAs, data centers massivos operam 24 por 7. E precisam responder rapidamente ao usuário. O problema é que processamento em alta velocidade gera um calor infernal. A era das ventoinhas para resfriar computadores dessa escala já passou; hoje, a solução é a água. Muita água.
Um estudo sobre o ChatGPT, por exemplo, revelou números assustadores. Apenas para o treinamento e operação do GPT-3, os servidores da OpenAI consumiram mais de 70 bilhões de litros de água limpa e tratada até o início de 2023. Para deixar mais concreto: segundo a ONU, essa quantidade de água seria suficiente para suprir as necessidades básicas (hidratação e higiene) de mais de 2,5 milhões de pessoas por um ano inteiro.
A anatomia física de uma ideia
Uma IA como o ChatGPT não "pensa". Ela é, de forma simplificada, um modelo matemático gigantesco que aprende a reconhecer e reproduzir padrões a partir de uma quantidade de dados. Quanto maior a quantidade de dados, melhor essa reprodução. Esse "aprendizado" exige um poder de processamento absurdo, executado em redes neurais artificiais. E se tem uma coisa que computadores fazem ao processar dados é gerar calor.
Para aprender a jogar uma única corrida em um único jogo, como documentado e demonstrado neste canal do Youtube, uma IA pode precisar de mais de 500 horas de processamento intenso. Agora, imagine o que é necessário para "ensinar" um modelo a ler e entender quase toda a internet. Cada pergunta que fazemos, cada imagem que geramos, aciona esses servidores, que precisam ser constantemente resfriados com água para não superaquecerem e pararem de funcionar.
Conclusão: A conta não fecha
Minha intenção aqui não é propor uma solução mágica, mas sim jogar luz sobre um problema que o capitalismo convenientemente esconde. O impacto ambiental. A manutenção das IAs é mais um vetor de pressão sobre os recursos finitos do nosso planeta, mas os investimentos bilionários na área só aumentam, ignorando completamente essa realidade. As causas dos desastres ambientais estão cada vez mais abstratas – um código rodando num servidor do outro lado do mundo –, mas suas consequências são cada vez mais concretas: a seca, a enchente, a falta de água na torneira.
Como programador, considero as IAs uma demonstração fascinante da capacidade humana, verdadeiras obras de arte do pensamento lógico. Mas a conta é alta demais. Precisamos lutar para mudar um sistema de produção que nos levará à extinção em nome do lucro e da inovação a qualquer custo.
texto publicado em 04/02/2024