Em poucos dias, acontece uma eleição crucial em todo o Brasil e, confesso, até pouco tempo atrás eu nunca tinha ouvido falar dela. Falo da eleição para o Conselho Tutelar. Essa minha ignorância, que suspeito ser compartilhada por muitos, é perigosa. Ela abre espaço para que a linha de frente da defesa de crianças e adolescentes seja ocupada por quem menos deveria estar lá.
Fiquei interessado, comecei a pesquisar e entendi que essa não é uma votação administrativa qualquer. É um campo de batalha silencioso e decisivo.
O que Está em Jogo? A Linha de Frente do ECA
Criados em 1990 junto com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os Conselhos Tutelares são o rosto do Estado para uma família em crise. Eles têm a função estratégica de "zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente".
É fundamental entender o peso disso. O ECA foi uma revolução, o primeiro documento a tratar crianças e adolescentes como cidadãs de direitos (sim, o espanto é válido, até o momento só três gerações nasceram amparadas por essa ideia!). Os conselheiros são os guardiões dessa conquista. São eles que agem quando os direitos são violados pela sociedade, pelo Estado ou pela própria família.
A Disputa Ideológica pelo Conselho
Um poder tão grande, obviamente, atrai interesses. E é aqui que a nossa atenção se torna vital. O ECA, apesar de ser lei, está sob ataque constante. E os Conselhos Tutelares se tornaram alvo de uma disputa ideológica ferrenha.
De um lado, temos um projeto progressista, que enxerga o Conselho como um órgão de garantia de direitos, baseado na psicologia, na assistência social e na defesa intransigente de jovens contra a pobreza, o abuso e a violência.
Do outro, avança um projeto conservador e fundamentalista. Ele busca transformar o Conselho em um órgão de controle moral e punição de famílias, especialmente as mais pobres. É um projeto que se manifesta de várias formas, como no caso que encontrei de Teresópolis, onde conselheiros usavam verba pública para "delicatessen" e agiam com "postura de delegacia de polícia". Mas vai além da corrupção. Vemos casos de intolerância religiosa, perseguição a jovens LGBTQIA+, omissão e aliciamento ideológico por todo o país. São grupos organizados que querem capturar o Conselho para impor sua agenda retrógrada.
Nosso Voto é uma Ferramenta de Proteção
A minha descoberta tardia sobre essa eleição virou um compromisso. Um compromisso de não apenas votar, mas de disputar esse espaço. Para criar o futuro que desejamos, não basta ter uma legislação forte no papel; precisamos de pessoas comprometidas com os direitos humanos na sua aplicação.
A escolha que faremos não é entre nomes aleatórios. É entre projetos de sociedade. Um que acolhe e protege, e outro que julga e pune.
Por isso, o chamado é para agora: procure saber quem são os candidatos na sua cidade. Investigue quem os apoia, qual a visão deles sobre o ECA, sobre diversidade, sobre o papel do Estado. Desconfie de discursos moralistas e vazios. Apoie os candidatos que estão alinhados com a defesa intransigente dos direitos humanos.
Ocupar e proteger o Conselho Tutelar é uma tarefa urgente para todos nós que lutamos por uma sociedade mais justa. O futuro de milhares de crianças depende dessa eleição silenciosa. Não vamos mais ignorá-la.
texto publicado em 26/09/2023